quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Os jornais

Em Free thought and official propaganda, Bertrand Russel propõe que a escola primária ensine a arte de ler com incredulidade os jornais. Entendo que essa disciplina socrática não seria inútil. Das pessoas que conheço, pouquíssimas sequer a soletram. Deixam-se lograr por artifícios tipográficos ou sintáticos; pensam que um fato aconteceu só porque está impresso em grandes letras pretas; confundem a verdade com o corpo doze; negam-se a entender que a afirmação: ‘Todas as tentativas do agressor para avançar além de B fracassaram de maneira sangrenta’ é mero eufemismo para admitir a perda de B. Pior ainda: exercem uma sorte de magia, pensam que formular um temor é colaborar com o inimigo... Russel propõe que o Estado tente imunizar os homens contra essas superstições e esses sofismas. Por exemplo, sugere que os alunos estudem as últimas derrotas de Napoleão nos boletins do Moniteur, ostensivamente triunfais. Planeja tarefas como esta: depois de estudar a história da guerra com a França em textos ingleses, reescrever essa história do ponto de vista francês. Ponho-me de acordo com Borges, autor desse comentário. Condescendente e sonolento, fatigo os jornais. Não careço de fatos: contenta-me sua imagem invertida ou, quem sabe, torturados fragmentos; verdades suspicazes, constructos marotos, sobre os quais brincar de engenharia reversa. Talvez eu já queira uma mentira risonha, mas os jornais desta província observam mentiras burocráticas e enfadonhas, em ciclos intermináveis. Lembro-me de que noticiam, a intervalos conhecidos, certos investimentos, certas escolas ou hospícios ou anfiteatros. São notícias tão auspiciosas quanto o advento de uma sorveteria, uma barbearia ou, quem sabe, uma fábrica de trins. Nesta república, onde o tempo é da mais imprudente circulação, os jornais ventilam algo, parece que uma historinha de corrupção. Falam de um presidente, seu vice, um presidente de Câmara, muita gente, enfim. Já vimos isso tudo, antes. Onde será que foi? Ora se não foi aqui mesmo! Os grandes governadores, vestidos de púrpura com fasces e insígnia, são governados por seus criados, pelos amuos de suas mulheres e filhos; ou, em países constitucionais, pelos parágrafos dos seus jornalistas hábeis. Carlyle, que incensava monarquias, sem explicar-nos onde, no que elas funcionariam, apresenta-nos essa nota em sua História da Revolução Francesa. Folguei por dois meses. O País segue o mesmo. Os jornais não se deram o trabalho de estampar qualquer novidade, talvez por conservadorismo. Tanta falta de imaginação me aborrece. Campo Grande, 16 de fevereiro de 2006.

2 comentários:

Anônimo disse...

Grande Gérson,
Deixei (em 24.02) um DVD com as fotos da viagem na portaria do seu prédio, juntamente com seu livro do DNA e o CD do aquário de Bangkok.
Por favor, providencie uma cópia das suas fotos finais, que eu não tenho.
Os vídeos vão demorar um pouquinho. Te aviso.
Qualquer novidade, entre em contato cibernético.
Um abraço,
Júlio César.

Manelim disse...

Mas olha só se não é o Júlio!

Mas por onde você anda, Júlio?

Já tenho as demais fotos em dvd, prontinhas pra vc, mas acho que neste dia 25 estarei em Corumbá...

Grande abraço e espero que tenhamos tempo de, um dia, voltarmos a nos reunir...