Abro a caixa postal
na expectativa de temperar
matéria viva com esperança.
Mas de lá, sei, saltam
selos, logotipos, divisas duras,
a nódoa comercial.
Detetives, banqueiros,
estatais, o sapateiro,
alfaiates me querem,
em pessoa ou na
forma promissória.
“Compre, adquira, receba grátis
(por módica quantia indenizatória);
consuma o que quiser
apenas nos pague, Senhor nº n,
que somos entidade filantrópica,
sem fins lucrativos, mas
amamos fazer circular a riqueza.”
No sábado abro a caixa dos correios
e o negócio é uma feijoada,
a que compareço,
em minha (predileta)
manifestação cartão de crédito.
Os afiadores de facas merchandaizam
(que facas, limadas, abrem novas polpas,
sequer supostas na praça dos desatentos).
Matéria viva não há. A última
carta de amor recebida
foi nunca
e desde então me apreende
essa procura
(carta de amor: pro cura).
A última carta de amor recebida,
embebida em anseio e vocativo natural,
veio de uma terra tão difícil...
(conheço o lugar, mas os ventos
estão desaparelhados de rosa).
“Senhor Gérson, elimine sua
pediculose, refresque seu quarto,
compre dólares verdes georges,
arremate nosso dócil camelo,
viagem de férias pelas arábias;
entre para o seleto clube de civis
que possuem um caça usado,
vá à Polônia ver o túmulo do Papa...
Senhor Gérson, que chato!
O senhor não tem colaborado!”
Indiferente a tudo,
ambiciono o bilhete
da remota companhia
a prometer viagens à Lua.
No domingo,
não obstante a dificuldade de acordar,
com as chaves da felicidade nas mãos
lanço-me ao bunker onde se esconde
tanta correspondência
para retirar meu certificado de vitória,
meu diploma de bem-sucedido na vida.
Nesse mesmo domingo
é que as correspondências comerciais
mais se mostram terríveis:
desarmando mãos varadas pela expectativa
e driblando olhos injetados de necessidade,
de co-respondência,
elas partiram voluptuosas para o negaceio,
amigando-se às mitológicas cartas de amor,
deixando meu pobre ego
à mingua das carícias superficiais
comerciais
que tanto amo desprezar.
Releio, altavoz,
antiga correspondência:
“compre nossos serviços, senhor
___________________________,
que nós só o prestamos por altruísmo
(e faremos descontos especiais a quem nos ligar
com lágrimas nos olhos e cartão de crédito nas mãos).
Lucro não nos dá, senhor. Nós o amamos,
deixe-nos embriagar suas baratas,
reformar suas teias de pensamentos
e gritos”.
O que mais me agrada
é a correspondência bancária.
Não raro vou às lágrimas,
enlevado com os poemas
em forma de extrato.
Os borderôs de cobrança
me comovem. Seriam aqueles números
(montante, multa por atraso e juros de mora)
a música de Pitágoras, que a impressora
vazou em manchas pretas?
Embora eu saiba que
eles são contra apresentação,
eu me apresento,
de mãos abertas,
e os recolho para brincar em meu colo,
em minha conta bancária.
Os bônus de desconto
expiam meu salário
salvando a espécie pecadora.
Abro minha carteira com alegria:
fui convidado a comprar.
De joelhos chego ao templo do consumo
e, já que de nada careço,
deixo minha oferenda,
comprando-me numa liqüidação anual.
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