Hélio Schwartsman comenta com rara maestria a questão do nepotismo, na folha de 08.01.11:
Todos os mamíferos investem nos cuidados com a prole. Lula é um mamífero. Logo, Lula investe nos cuidados com a prole.
Mais do que explicar a concessão de passaportes diplomáticos e férias no Guarujá a familiares, o silogismo escancara uma armadilha evolutiva: o desacerto entre nossa programação biológica e o ambiente moderno em que vivemos.
A natureza nos preparou para favorecer filhos, irmãos etc., mas isso não combina com as exigências democráticas de impessoalidade e mérito na administração pública. O resultado é a sucessão de pequenos e grandes escândalos de nepotismo, envolvendo favorecimentos suspeitos, contratações irregulares, funcionários-fantasmas etc.
Vale observar que o modelo tem alcance mais geral. O descompasso entre pendor biológico e mundo moderno ajuda a explicar outras mazelas contemporâneas, como a epidemia de obesidade (somos programados para gostar de doces e gorduras num ambiente em que gastamos cada vez menos calorias) e até o crime (o assassinato pode ser visto como uma forma extrema, e ilegal, de solucionar conflitos).
Voltando ao nepotismo, ele também está envolvido naquilo que o psicólogo Steven Pinker chama de paradoxo fundamental da política: o amor (e proteção) que pais dedicam a seus filhos torna impossível que uma sociedade seja, ao mesmo tempo, justa, livre e igualitária.
Se ela é justa, as pessoas que se esforçarem mais acumularão mais bens. Se é livre, elas os transmitirão a seus parentes. Mas, neste caso, a sociedade deixa de ser igualitária e justa, pois alguns herdarão riquezas pelas quais não trabalharam.
Sob essa chave interpretativa, uma ideologia política nada mais é do que a escolha de qual dessas características deve preponderar. Sistemas mais à esquerda enfatizam o igualitarismo, enquanto a direita enaltece a liberdade. Cada um deles define seu próprio "blend" como a materialização da justiça. O paradoxo, porém, subsiste
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