(...) A inflação é: (a) um aumento generalizado nos preços;
ou (b) a perda do poder de compra da moeda?
Se você escolheu a opção (a), está diante de um
fenômeno social complexo, pois é preciso pensar como é que o padeiro se
comunica com o barbeiro e com os produtores de tomates, pepinos, aço e
computadores, e também com as companhias aéreas e restaurantes, para todos
aumentarem seus preços mais ou menos na mesma velocidade.
Talvez eles leiam os mesmos jornais, de onde aprendem
sobre os andamentos da moeda e do crédito público, pois afinal, se existe uma
única coisa a unir esses personagens da vida produtiva brasileira, é que todos
querem moeda em troca de seus bens e serviços. A moeda é a “cafetina
universal”, para usar uma expressão de Shakespeare, que Marx gostava muito de
repetir.
É claro que isso nos leva à opção (b): é claro que a
inflação também é a perda de poder aquisitivo da moeda, as duas alternativas
estão corretas, um velho truque docente, muito usado nos vestibulares.
(...)
Seria chocante se dissesse (...) que o
papel-moeda é uma tecnologia de pagamento que tende ao desuso, ao menos desde
os anos 80, e que os contadores dos bancos centrais desse planeta não sabem ao
certo se a moeda emitida nessas instituições tem a natureza de uma dívida.
Nos cruzeiros de 1942 estava inscrito nas cédulas que
“se pagará ao portador desta a quantia de ...”, e vinha escrito o valor da
cédula. Uma promessa pagável com o próprio instrumento, uma estranha redundância.
A inscrição depois foi substituída por “valor legal” e, anos mais tarde, por
razões hoje compreensíveis (talvez um desabafo), os dizeres passaram a ser
“Deus seja louvado!”
Veja no balanço do Banco Central a conta “meio
circulante”, que diz respeito ao papel-moeda em circulação: o saldo é R$ 196
bilhões para setembro/2015, tratando-se claramente de um passivo não exigível,
embora não pertença ao patrimônio líquido. Veja, agora, a estatística para a
“Dívida Líquida do Setor Público” e seus componentes. Lá está a “base
monetária”, dentro da qual está o “meio circulante”.
Bem, o papel-moeda não é bem dívida do Estado, e esta,
por sua vez, quando encarnada em títulos da dívida pública, ou dívida
mobiliária, parece moeda, daí se falar em “quase moeda” pois, afinal, é muito
líquida e é com ela que o Estado paga suas contas.
Não seria razoável pensar a moeda e títulos da dívida
pública como uma coisa só, apenas expressões diferenciadas do “crédito
público”, um atributo intangível que pulsa conforme a qualidade do governo?
Acho muito apropriado definir o meio circulante como
uma espécie de ação preferencial ao portador, emitida pelo Estado, em pequenas
denominações e que o Banco Central distribui pela rede bancária em troca de
papel-moeda velho e, às vezes, em troca de outros tipos de dívida do Estado.
Outra maneira de ver é tomar a moeda como dívida, mas
na forma de um instrumento perpétuo e sem juros. Visto assim, é fácil ver que o
Estado preferirá sempre se financiar com esse tipo de obrigação. Porém, a
sociedade necessita muito pouco desse instrumento e cada vez menos. A ideia de
“rodar a guitarra” e abusar da emissão desses papéis, ou de moedas metálicas,
está cada vez mais obsoleta, pois a demanda é muito limitada. A guitarra do
século 21 é a dívida.
Aqui no Brasil, desde 2011 o TCU obriga o Banco Central
a divulgar o tamanho de suas receitas decorrentes do poder de emitir moeda.
Foram R$ 12,7 bilhões em 2014, equivalentes a 0,23% do PIB, já deduzidos os
custos de produção desse acréscimo (R$ 487 milhões). Não é muito e não se
vislumbra como isso possa crescer.
Pois bem, diante dessas definições, a ideia que o
papel-moeda vai acabar, por conta do plástico e do tag, para não falar de
milhas ou do bitcoin, parece especialmente grave diante da ansiedade recente em
torno do monstro que dá título a este artigo. Na presença dessa criatura
alienígena recém-chegada, segundo se diz, o governo não terá alternativa senão
imprimir vastas quantidades de papel-moeda para pagar suas contas, inclusive a
dívida pública.
Mas como se dará tal coisa se o papel-moeda está
destinado à extinção?
(...)
De fato, a vida ficaria muito mais difícil para a
bandidagem na ausência de dinheiro em espécie, pois tudo transitaria por bancos
deixando rastros para os agentes da lei. Foi assim que pegaram o doleiro
Youssef, por exemplo, e se desenrolou o novelo do “petrolão”.
Quanto ao financiamento do Estado sob dominância
fiscal, todavia, não vamos escorregar na nossa ansiedade: é tudo uma questão de
preço. Pague-se mais juro que o povo aceita mais dívida, e esse tem sido o
caminho percorrido faz muitos anos. O Brasil não tem a maior taxa de juros do
mundo porque seus poupadores são campeões mundiais de ganância, mas porque tem
o Estado mais endividado do mundo em proporção à riqueza do país. O monstro não
é de outro planeta, nem é desconhecido: mora em Brasília há muitos anos e vinha
emagrecendo até 2008. A partir daí, Dilma Rousseff, seguindo conselhos
econômicos da pior espécie, resolveu terminar a dieta, e a criatura recomeçou a
crescer.
Quanto mais dívida, mais juros, simples assim. Não há
nada de novo nesse assunto de dominância fiscal, apenas mais clareza sobre como
a política fiscal esmaga a política monetária, o que é um grande progresso.
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