terça-feira, 3 de novembro de 2015

José Casado

A fila do cartório estancou. No balcão, uma jovem senhora de cabelos prateados arriscava a serenidade diante do indecifrável. Para conceder um documento, exigiam-lhe o CPF da mãe.

Ela argumentava: — Mas a minha mãe morreu há trinta anos e nunca teve um CPF...

— Só com o CPF dela — repetia a cartorária.

Ao perceber que a fila a conduzira à fronteira de uma dimensão irreal, onde o absurdo é a regra, aventurou-se num quase patético pedido de ajuda: — Por favor, então me explique: como é que eu tiro o CPF de alguém que não é mais uma pessoa?

A escrevente mirou-a com firmeza, e retrucou: — Eu não sei, mas sem o CPF não faço.

Cármen Lúcia Antunes Rocha agradeceu e foi embora mastigando seus versos prediletos de Carlos Drummond de Andrade: 

As leis não bastam
Os lírios não nascem da lei
Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra...


Três décadas atrás, nas aulas de Direito Constitucional na PUC de Minas, aprendera que o Estado existe para servir às pessoas. Hoje, na vice-presidência do Supremo Tribunal Federal, continua acreditando que o Estado não existe para infernizar a vida dos outros. (...)

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