terça-feira, 3 de novembro de 2015

Hélio Schwartsman - ABORTO

O Estado pode, em tempos de paz, obrigar alguém a correr riscos físicos aos quais não está disposto? Ele poderia me forçar a saltar de paraquedas ou a passar um ano num pesqueiro comercial? Se você, como eu, acha que não, então deveria, como eu, defender o direito ao aborto para as mulheres.

A gravidez, embora não seja considerada doença, é um estado que eleva bastante a chance de uma mulher morrer. Na tentativa de tornar a análise de risco mais intuitivamente amigável para as pessoas, estatísticos desenvolveram uma unidade especial, a micromorte. Definida como a chance de um óbito por milhão de eventos, a micromorte permite comparar o perigo envolvido em atividades e estados tão distintos quanto escalar o Himalaia (39.427 micromortes por tentativa), submeter-se a uma anestesia para cirurgia eletiva (10 micromortes, no Reino Unido), ou apenas completar um ano de vida em Serra Leoa (119.000 micromortes).

Dar à luz no Brasil implica um risco de 620 micromortes. É mais que as 120 micromortes da gestante britânica, mas menos que as 2.100 da média mundial. De todo modo, concentra em algumas horas um perigo maior que o de passar um ano servindo como soldado britânico no Afeganistão (47 micromortes) ou trabalhando em minas de carvão (430 micromortes).

Se admitimos o princípio de que o Estado não pode fazer um cidadão correr riscos à saúde que não deseje, então a legalização do aborto se torna uma necessidade lógica. "E o feto?", perguntarão os defensores das criancinhas não nascidas. Os que acreditam em Deus devem se queixar com o Criador, já que o plano divino dá poucas chances aos embriões.

Estima-se que, para cada gravidez que vinga, de dois a três óvulos fecundados sejam abortados espontaneamente. Ou seja, a cada ano, são sacrificadas no mundo entre 190 milhões e 285 milhões de pequenas vidas –um verdadeiro holocausto de almas. O mundo é um lugar cruel.

Nenhum comentário: