O Estado pode, em tempos
de paz, obrigar alguém a correr riscos físicos aos quais não está disposto? Ele
poderia me forçar a saltar de paraquedas ou a passar um ano num pesqueiro
comercial? Se você, como eu, acha que não, então deveria, como eu, defender o
direito ao aborto para as mulheres.
A gravidez, embora não
seja considerada doença, é um estado que eleva bastante a chance de uma mulher
morrer. Na tentativa de tornar a análise de risco mais intuitivamente amigável
para as pessoas, estatísticos desenvolveram uma unidade especial, a micromorte.
Definida como a chance de um óbito por milhão de eventos, a micromorte permite
comparar o perigo envolvido em atividades e estados tão distintos quanto
escalar o Himalaia (39.427 micromortes por tentativa), submeter-se a uma
anestesia para cirurgia eletiva (10 micromortes, no Reino Unido), ou apenas
completar um ano de vida em Serra Leoa (119.000 micromortes).
Dar à luz no Brasil
implica um risco de 620 micromortes. É mais que as 120 micromortes da gestante
britânica, mas menos que as 2.100 da média mundial. De todo modo, concentra em
algumas horas um perigo maior que o de passar um ano servindo como soldado
britânico no Afeganistão (47 micromortes) ou trabalhando em minas de carvão
(430 micromortes).
Se admitimos o princípio
de que o Estado não pode fazer um cidadão correr riscos à saúde que não deseje,
então a legalização do aborto se torna uma necessidade lógica. "E o
feto?", perguntarão os defensores das criancinhas não nascidas. Os que
acreditam em Deus devem se queixar com o Criador, já que o plano divino dá
poucas chances aos embriões.
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