Li, inauguralmente, a Odisséia e a Ilíada, nessa ordem.
Na página final da Odisséia, escrevi, com previsível inadequação:
“Parece que Homero, seja quem for, fundou o imaginário ocidental. Eu me sinto assim. Até a religião, as preces em meio à batalha: o molde é muito claro. A confusão de deuses também.
Por outro lado, percebe-se que a narrativa envelheceu em alguns pontos: modernamente, todo crime, todo assassinato, todo roubo e saque e pilhagem são feitos em nome do amor, da caridade, da fraternidade.
Não me ocupa a questão homérica. Um compilador inventivo ou uma reunião de gênios, o que importa é a obra, apreciada há 2.800 anos. Harold Bloom opina que o escritor da Ilíada também escreveu a Odisséia, poeta de gênio. Outros pensam que não só os autores são diferentes como cada obra foi compilada por muitos autores, a partir de copioso material preexistente. E apontam falhas constrangedoras: o muro de Tróia deixa de existir a certa altura, para logo depois voltar, incólume, numa demonstração de inconsistência textual.
Termino agora a Ilíada.
Para ser sincero, não gostei. Absolvo-me de relê-la.
Do que li, ofereço este impossível resumo:
Canto ingente.
Deuses vulneráveis,
cheios de intrigas.
Escuríssima noite sobre muitos,
acertados pelas costas:
cruores pouco edificantes.
O tratamento dispensado por Zeus a Hera é constrangedor; a narrativa de deuses rancorosos, com problemas trabalhistas; a lista telefônica épica do canto II; as impiedosas repetições de cantos, tudo fatiga o leitor.
O caráter marcadamente infantil dos deuses, a discutível moral, o final insatisfatório (para um épico), entre outras inconsistências, aborrecem o leitor moderno, justamente atarefado, e sugerem que a obra finalmente será entregue ao esquecimento. Não sei como as mulheres lêem, hoje, as presepadas machistas que infestam o texto. Entrego Homero às mulheres, recomendando sua aniquilação.
Assim, se na Odisséia louvei o gênio, na Ilíada, solicitei o julgamento do porco chauvinista por um tribunal imparcialmente feminino.
Acuso Homero de ter-se ocupado em demasia com churrascos suculentos e descrições minuciosas de ossos e carnes sendo esmagados para a diversão de deuses ociosos.
Claramente, Homero merece um leitor melhor que eu.
Campo Grande (MS). 30.5.2004.
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