Em casa!
Adorável casa de um só e pouco habitante. Resumi a Holanda, mais ou menos assim:
"Como se sabe, a Holanda é obra de ciclistas fundamentalistas, aborrecidos com montanhas e outras fraudes encontradiças em países menos planejados.
Suas ladeiras, que marcham desde diques, não ultrapassam o metro de desnível. Nada que não possa ser vencido com uma pedaladinha.
Essa planura, de inalterável perfeição, foi conquistada à força de enganar os oceanos, que gostavam daqueles mesmos lugares onde pastavam cavalos marinhos e ora festejam bicicletas e vacas leiteiras.
Caminhei por essas temeridades chamadas pôlderes – terras subliminares – como o discípulo sobre o mar: lívido ante o milagre de colheitas em campos de caprichosa geometria.
Hidrovias ao redor de cada cultivo, por pequeno, para que patos selvagens, cisnes e outros jantares possam viajar com conforto. Num cruzamento dessas hidrovias julguei ver, de relance, um semáforo em funcionamento e uma família de patos esperando sua vez, enquanto os cisnes obedeciam, ordeiros, o sinal verde, mas o leitor deve considerar o vinho e a pressa do trem.
O mar às vezes reclama seus antigos domínios. Na década de 1930 a nação descobriu, numa dessas justas, que milhares de holandeses haviam fugido às aulas de natação.
Mesmo o mar interior formado pelo imenso dique concluído naquela mesma década foi reformado, e hoje é conformado lago, de águas doces.
Amsterdã é uma prova de que a arquitetura não precisa ser banal certeza ou interminável imitação. Espalhando-se desde a estação central progridem losangos plenos de prédios e casarões, cada qual mais decoroso, todos de grande valor artístico e histórico.
Em meio a eles, inúmeros canais, freqüentados por barquinhos. Bondes deslizam em quase todas as ruas, com os mesmos direitos e deveres dos carros. Ciclistas pontificam em todas as ruas, e não é raro que uma seja bonita.
Uma bicicleta, que me acossava do fundo das eras, foi livrada no momento final, e pude atinar com a salvação da calçada.
As cidades européias abundam em igrejas, algumas tomadas do Islã, a maioria de uma suntuosidade incompatível com as doutrinas cristãs. Com Amsterdã ocorre o contrário, quase não as há. Não poderia mesmo ser diferente, na capital do ateísmo.
Consta que Schiller resumiu a Guerra dos Trinta Anos em um parágrafo. Concluo a Holanda – obra de milênios, a quem dediquei escassos dias – em alguns curtos parágrafos e umas fotos.
Não deixaram Schiller resumir a Guerra dos Cem Anos. Não vou me alongar sobre uma Holanda que o leitor deve descobrir por si mesmo.
Gare du Nord, Paris, 23 de janeiro de 2007."
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