terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Ricardo Noblat

No segundo semestre de 2005, quando havia estourado o escândalo do mensalão, Lula foi à TV pedir desculpas aos brasileiros. Aproveitou para dizer que fora traído. E apunhalado pelas costas. Nunca quis dizer quem o traiu. Sempre remeteu o caso à Justiça.

O Supremo Tribunal Federal concluiu há pouco o julgamento do mensalão - o mais longo de sua história. Foram 53 sessões. E concluiu:

a) Uma sofisticada organização criminosa tentou se apoderar de parte do aparelho do Estado.
b) Para prolongar a permanência do PT no poder, montou-se o esquema do mensalão - o pagamento de suborno para que deputados votassem como queria o governo.
c) Parte do dinheiro do mensalão foi subtraído dos cofres públicos.
d) O STF apontou e condenou os mensaleiros.
Lula, agora, sabe quem o traiu. E o apunhalou pelas costas.

De acordo?

domingo, 9 de dezembro de 2012

Intrometida-chefe


Ronaldo Costa Couto: "O primeiro economista da história foi Cristóvão Colombo, que quando partiu não sabia para onde ia e quando chegou não sabia onde estava. Tudo por conta do governo". 

Era 4,5% o crescimento garantizado, que agora sabemos  menos de 1% e caindo. Pibinhos, bafões e, agora, apaguinhos.

Não é glorioso ter uma país assim meiguinho?

O que a intrometida-chefe está fazendo? Ah, sim: arrombando o país com um surto de ideologia farsesca. Rompe contratos, brutaliza investidores, servidores e o contribuinte: o que falta para defenestrarmos a abelhuda-chefe? 

Lembram da gerentona? 10 anos no governo, superpoderes administrativos, e o resultado: obras zoadas, dinheiro saindo pelo (e com o) ladrão, o estado tomado de assalto. 

Enquanto os vizinhos, iguais dependentes da exportação de commodities, crescem 5%, crescemos 0,5%, apesar da ensandecida renúncia fiscal, que esgarça o já cambaleante equilíbrio federativo. 

Em marcha acelerada (para trás), talvez o eleitor acorde do pesadelo e apeie a quadrilha do poder.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Viva a jurisprudência do Supremo

José Augusto Garcia de Sousa, professor da FGV Direito Rio, em O Globo:

De origem italiana, a teoria do garantismo penal preconiza o fortalecimento das garantias processuais dos réus, coibindo-se os excessos do poder punitivo do Estado. No sistema penal brasileiro, repleto ainda de violências e arbitrariedades — notadamente contra os menos favorecidos —, o generoso ideário garantista encontrou solo fértil para se propagar.


De modo desconcertante, porém, a teoria no Brasil revelou-se útil, sobretudo a criminosos de colarinho branco e privatizadores dos cofres públicos. Autores de ilícitos peculiarmente intrincados, eles passaram a invocar o santo nome do garantismo para usufruir, cada vez mais, uma jurisprudência que sublima aspectos formais do processo e impõe cargas probatórias quase irreais à acusação.

Reforçou-se assim a índole atavicamente elitista do processo penal aqui praticado. Um processo amigo dos poderosos e endinheirados, além de surdo aos protestos do homem da rua contra a impunidade dos delitos financeiros. Instrumento, em suma, de realimentação das nossas mazelas sociais, transportando para o plano processual a desigualdade que existe fora dos autos.

O julgamento do mensalão veio trazer, em boa hora, o contraponto. Proclamou-se que a Constituição não garante para os acusados de corrupção processos seis estrelas, em que só por acidente alguma condenação corre o risco de acontecer. Em um Estado declaradamente social como o nosso, não faz sentido, do ponto de vista constitucional, que crimes muito perversos para a comunidade sejam premiados, logo eles, com as maiores franquias processuais. Se a jurisprudência do Supremo realmente mudou, foi para melhor. Com a sensibilidade que se espera de uma Suprema Corte.

É certo que um processo não cura cinco séculos de negociatas e desprezo pelo bem comum. Sem embargo, o julgamento do mensalão já representa ponto luminoso na História da nação. Um país mais ético e justo, muito além de mera bandeira retórica, significa direito fundamental de cada um de nós. Garantido pela Constituição.

Baleia azul - fim trágico

Jubartes na ilha Fraser

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Sandro Vaia

O Partido dos Trabalhadores, que chefia a coalizão que governa o País, costuma confundir Nação, Estado, País e partido. Para eles, parece ser tudo uma geléia só.

Por isso, parece estar muito mais preocupado em divulgar notas gravemente ofensivas às instituições republicanas, como o Poder Judiciário, culpado por condenar os malfeitos de alguns de seus mais ilustres militantes, do que realmente conduzir o país nos trilhos do crescimento sustentado com eficiência e competência.

Seria melhor que o partido que comanda a coalizão se preocupasse com o primor de gestão que está sob sua responsabilidade e sob o comando da senhora gerente famosa por seu rigor e seus murros na mesa que, por enquanto, entre outras coisas, produziu:

* oito apagões consecutivos no Norte e no Nordeste do País em menos de quatro meses;
* a declaração de seu ministro da Justiça de que preferia se matar a cumprir pena numa prisão brasileira, sendo que as prisões estão sob sua área de responsabilidade e dos 312 milhões de reais que deveria investir em sua melhora, conseguiu gastar apenas 63,5 milhões;
* o primeiro prejuízo da Petrobrás nos últimos 13 anos e perda de valor de mercado da empresa em mais de 50% em menos de 3 anos. A não realização de metas “irreais” (segundo sua presidente Graça Foster), entre as quais a construção de 3 refinarias prometidas durante o governo Lula;
* crescimento de 1,5%, o mais fraco entre os países emergentes, depois de o ministro da Fazenda ter previsto sucessivamente crescimentos de 4,5% ,4%, 3,5% , 3% ,2,5 % e 2%, sem acertar nenhuma das previsões;
* o anúncio repetido da meta da construção de 6 mil creches, sendo que não há notícia que tenham sido entregues mais de 10 em todo o País;
* a incapacidade de gerar o superávit primário prometido de 3,1% do PIB, ou 139,8 bilhões de reais;
* a incapacidade de atingir o centro da meta de inflação, de 4,5%, apesar das sucessivas baixas de juros promovidas pelo Banco Central;
* a incapacidade de gerar políticas públicas destinadas a reduzir a violência no País e melhorar o espantoso índice de 50 mil homicídios anuais;
* a falta de medidas destinadas a baixar o Custo Brasil e melhorar os índices de produtividade da produção industrial brasileira;
* atraso nas obras de transposiçao do Rio São Francisco.


Estes são alguns indicadores de que a gestão do País não deveria se resumir apenas à produção de manifestos recheados de bravatas políticas e vazios de conteúdo e bom senso.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

BNDES

Para que serve, de verdade, o BNDES?

"O", no blog do Alex, arrisca:

Eu diria que a existência do BNDES se deve à sua utilidade para os governantes de plantão. O BNDES é um instrumento que os governantes do dia usam para transferir recursos para seus plutocratas de confiança. Também é um instrumento de chantagem contra o empresariado. Esta é a razão de sua existência. Esta é a natureza da besta. 


Tal finalidade hedionda deve ser disfarçada da população, daí a necessidade de desculpas como custos ‘socioambientais’, política industrial etc. Às vezes ouvimos que o papel do BNDES seria crucial para financiar o investimento no Brasil, o que é grotescamente curioso, pois a vasta maioria dos países de desenvolvimento similar ao Brasil consegue investir mais que o Brasil sem depender de um banco estatal de desenvolvimento de tal dimensão. 


Agora, ouvimos dos custos “socio-ambientais”. Mas por que o BNDES seria necessário para financiar o transporte em massa? Não podem os governos de São Paulo ou do Rio, ou concessionarias do setor privado, emitir dívida? Não pode a União garantir tal dívida se existe algum motivo de bem-estar social ou externaliade justificando isso? 


Cínico que sou, desconfio que a raison d’être do financiamento por um banco estatal é evitar-se a disciplina do mercado e garantir que as obras possam ser superfaturadas. Como disse, esta é a natureza da besta. 

sábado, 10 de novembro de 2012

Hobsbawn e os crimes comunistas

Cansei de invectivar o comunismo e sua tentativa de negar o ser humano. Como disse algures, o comunismo é uma doutrina indefensável, mesmo em princípio. Eurípedes Alcântara faz um ótimo trabalho, ao criticar a obra de Eric Hobsbawn, um comunista que tentou negar os crimes dos camaradas contra a humanidade. Vamos ao texto:

O marxismo é um credo que tem profeta, textos sagrados e promete levar seus seguidores ao paraíso. Os poucos sistemas políticos erguidos sobre essa fé desapareceram. Sobraram umas ilhas de miséria insignificantes. Como todas as teocracias, os governos marxistas foram ditatoriais, intolerantes, rápidos no gatilho contra quem discordava deles — foram estados assassinos. O escritor inglês H.G. Wells, autor de A Guerra dos Mundos, descreveu o alemão Karl Marx (1818-1883) como "uma mente de terceira, postulador de uma tese de segunda, propagandeada por fanáticos de primeira".

(...) o marxismo atua no mesmo nível mental da transcendência, área distante da que processa os pensamentos e atos racionais. Isso explicaria por que, mesmo morto e enterrado como teoria e prática, o marxismo sobrevive como igreja — ou igrejinha, quando instalado em círculos acadêmicos. Cardeal da seita, Hobsbawm tinha convicções impermeáveis aos fatos e à lógica.

Karl Marx se acreditava um observador científico da realidade cujas afirmações sobre a superação do capitalismo pela revolução comunista não eram meras previsões. Eram profecias. A classe operária ficaria tão numerosa e miserável que tornaria inevitável o confronto vitorioso final com a burguesia. Algo deu errado. Em vez de empobrecerem, os operários foram ficando mais ricos - muito mais ricos do que seus antepassados jamais sonharam. Os países europeus, alvo de Marx, aplacaram a radicalidade das massas com reformas e assistência social.

Mais à frente ele anota:

(...) nas religiões a realidade não tem valor de convencimento. Os crimes cometidos por líderes e seu aparato de eliminação dos adversários (e dos aliados incômodos), a derrocada moral e material da seita? São eventos insignificantes para os convertidos. Hobsbawm fingiu que não eram com ele a censura, as execuções sumárias da polícia política, os gulags; silêncio sobre a operação planejada de matar de fome, por vingança, duas dezenas de milhões de habitantes da Ucrânia, um dos mais odiosos processos conduzidos por Stalin. Tal barbaridade seria repetida mais tarde por Mao Tsé-tung na China e Pol Pot no Camboja, genocidas que ele também bajulou.

E conclui:

Como seria o paraíso comunista? Marx, escritor prolixo, descreveu-o brevemente uma única vez: "Na sociedade comunista, onde ninguém tem uma esfera exclusiva de atividades, a sociedade regula a produção em geral e isso torna possível à pessoa fazer uma coisa hoje e outra amanhã, caçar de manhã, pescar à tarde, criar gado de noite, escrever críticas literárias depois do jantar, exatamente o que eu pretendo fazer, sem nunca me tomar caçador, vaqueiro ou crítico". Não se sabe por que no paraíso comunista a caça & pesca é vital e o gado é albino, já que deve ser criado no escuro.

Mas será que, em nome dessa fantasia, teria sido mesmo necessário produzir um Himalaia de cadáveres de inocentes? Que motivos levam gente até bastante ilustrada a acreditar nessa escatologia pueril? A fé. O fanatismo com que encampam dogmas comunistas tais como "a moralidade é uma ilusão" ou "a ética é uma arma da elite dominante". (Isso lembra algo e alguém no Brasil de agora?) Tantas mortes, tanta miséria intelectual e moral para quê? Para podermos pescar, caçar e criar gado à noite, ora!

domingo, 21 de outubro de 2012

Colégio eleitoral

Os americanos convivem, há séculos, com uma aberração chamada colégio eleitoral. Se você pensou em um método maroto de contornar a vontade popular, acertou, é isso mesmo. O voto indireto foi a maneira de conceder mais poder aos estados escravistas do sul. Como os Estados Unidos são ricos, ninguém se preocupa em condenar esse grosseiro preconceito contra o povo. Agora, eles lutam por uma coisa banal: o voto nacional para presidente. Por que haveria de ser diferente, se o cargo é nacional? Abaixo, alguma luz sobre a questão:

Zelite

João Ubaldo Ribeiro:
(...) No setor das grandes questões nacionais, o julgamento do mensalão se aproxima do fim, grande parte do suspense inicial já se foi e agora o que se espera é, no interessante dizer do comentarista que escutei no rádio de um táxi, a customização das penas, ou seja, a definição das punições que receberá cada um dos réus condenados, por sinistro desígnio da zelite. Acho difícil haver um problema que não tenha sido causado pela ação da zelite, é um grande achado. E talvez nele esteja, afinal, uma novidade. Não muito importante, quiçá, mas, na falta de outra, quebra o galho. Creio que já podemos cogitar da inclusão de "zelite" nos dicionários como mais um coletivo da lavra popular, com a observação de que por enquanto leva o predicado ao plural, mas no futuro talvez perca essa peculiaridade. Acredito que logo estaremos dizendo coisas como "a zelite não vai aceitar" ou "ele pertence à zelite paulista". Não deixa de ser uma contribuição ao vocabulário da perseguida língua portuguesa. 

Resta, porém, definir direito o que é zelite. 

(...) a zelite vem desempenhando um papel comparável ao dos comunistas de antigamente. No Brasil, com a notável exceção de Oscar Niemeyer e Zecamunista, sofremos de uma lastimável escassez de comunistas sobre os quais fazer recair a culpa de tudo o que diabo apronta. Os comunistas, como testemunharão os mais velhos, tinham muita serventia e até moças de conduta avançadex, como se dizia, eram fruto da doutrinação dos comunistas. A zelite e seu braço direito, a imprensa venal, corrupta e a serviço de interesses tenebrosos, vêm preenchendo essa lacuna, tão aflitiva para quem não tem nada de substancial a dizer em sua defesa, a não ser, talvez, o inconfessável.

Mas que diabo é a zelite? Sabemos que a palavra vem de "elite". No caso, elite política e econômica. Imagina-se que a elite política seja composta por quem está no poder. Presidente da República é zelite política, assim como os que exercem alguma fatia do poder. Que outro critério haveria? Ou a elite política está diretamente no governo ou o exerce mediante fantoches e paus-mandados, caso em que, ao denunciar a zelite, estaria denunciando a si mesma. Qual a zelite que se opõe aos que estão no poder? A zelite financeira está com eles, os bancos prosperando e ganhando dinheiro como nunca, como já comentou o próprio ex-presidente Lula. A zelite empresarial também não parece descontente, a não ser quanto a um ponto ocasional ou outro. A zelite das empreiteiras, então, nem se fala. A zelite artístico-intelectual, além de não ter poder concreto para nada, não costuma pensar uniformemente. Não me ocorre nenhuma outra zelite à qual se possa atribuir a culpa dos infortúnios enfrentados pelos réus do mensalão. Quem aprontou a trapalhada foram eles, mas a culpa não é do despreparo e dos erros deles, é da zelite.

A palavra já cria raízes em nossa terminologia política e, ao que tudo indica, terá vida longa, porque serve para fingir que se está explicando alguma coisa. Foi pegado com a boca na botija ou mentindo deslavadamente, os planos deram errado? Distribua uma nota ou faça um discurso, mostrando como a responsável é a zelite. O pessoal ganha, chega ao poder já pela terceira vez, está no topo da zelite governante e, no entanto, a zelite, até mesmo através do voto, fica atrapalhando. É por essas e outras que dá vontade de arrolhar a zelite e sua imprensa e estabelecer aqui uma verdadeira democracia, igual à da Coreia do Norte.

sábado, 20 de outubro de 2012

A era da incerteza

Hélio, na Folha:

O advento da imaginação humana foi uma verdadeira revolução mental, pois nos deu o poder de simular cenários dentro de nossas cabeças e, consequentemente, tentar alterar de forma consciente o futuro. Tomamos gosto pela coisa, daí que criamos a ciência, que pode ser descrita como uma receita para fazer previsões. O problema é que, apesar do inegável sucesso de nossas tecnologias, somos de um modo geral péssimos em prognósticos.

É preciso qualificar um pouco melhor esta última afirmação. Há diferentes tipos de previsões e, em algumas delas, nos saímos relativamente bem, enquanto, em outras, nosso desempenho é vexatório. Como já coloquei em outras colunas, colecionamos sucessos em certos ramos das chamadas ciências duras, como a física e a química, onde não temos dificuldades para apontar a data do próximo eclipse solar ou para fazer o cálculo estequiométrico de reações entre diferentes compostos. A coisa muda de figura quando nos afastamos dessas áreas para abraçar a economia, as ciências sociais e mesmo alguns subcampos das ciências duras. As coisas tendem a ficar realmente difíceis quando tratamos de fenômenos complexos/caóticos (não vou aqui entrar na distinção entre os dois), nos quais mínimas alterações numa variável podem modificar dramaticamente os resultados. Aqui, embora tenhamos nos acostumado a ouvir especialistas, poderíamos muitas vezes dispensá-los sem prejuízo. Na verdade, nós possivelmente sairíamos ganhando se ignorássemos seus conselhos.

Nate Silver, um especialista em previsões, acaba de lançar nos EUA um livro bastante esclarecedor sobre o assunto. É "The Signal and the Noise: Why So Many Predictions Fail --but Some Don't" (o sinal e o ruído: por que tantas previsões falham, mas algumas dão certo). Silver é um estatístico que fez fama, primeiro, desenvolvendo um algoritmo para apontar quais jogadores de beisebol darão certo e, em seguida, ao criar um site de previsões eleitorais que, no pleito de 2008, acertou os resultados da disputa presidencial em 49 dos 50 Estados, além do vencedor de todas as 35 corridas pelo Senado que tiveram lugar naquele ano. Saiu-se tão bem que o "The New York Times" incorporou seu site, o FiveThyrtyEight ( http://fivethirtyeight.blogs.nytimes.com ).

Silver inicia "The Signal and the Noise" mapeando o problema. Lembra alguns trabalhos clássicos como os de Philip Tetlock e John Ioannidis, cujos resultados não são muito abonadores para os futurólogos.

Num estudo publicado em 2005 ao qual já aludi neste espaço, Tetlock coletou durante 20 anos cerca de 28.000 previsões acerca da economia e de eventos políticos feitas por 284 experts em diversos campos e de diversas orientações políticas. A conclusão básica é que eles se saíram milimetricamente melhor do que o acaso.

O mais interessante, porém, foi constatar que os mais veementes foram os que mais feio fizeram. Tetlock os apelidou de porcos-espinhos. Os especialistas que conseguiram bater a média do grupo e superar os 50% de acerto esperados pelo livre-chutar foram os que coletavam suas informações em múltiplas fontes e chegavam a desconfiar de suas próprias previsões. Estes foram batizados de raposas.

Já Ioannidis, numa abordagem mais matemática, sustenta que a maioria das conclusões dos trabalhos publicados em periódicos médicos está errada. Isso ocorre devido a uma combinação entre limitações do método estatístico (inferência bayesiana) com os vieses dos pesquisadores. Para o autor, só uma minoria dos estudos (os maiores e mais caros) tem de fato poder estatístico para apoiar cientificamente as teses sustentadas.

Para Silver, várias combinações de causas explicam a grande diferença de desempenho entre os ramos do saber. O que ele faz ao longo do livro é explorar alguns casos de sucesso e fracasso recorrendo a áreas tão díspares como a meteorologia, a previsão de terremotos, a economia, o beisebol, o pôquer, o xadrez e o aquecimento global, além, é claro da política.

Não tenho aqui espaço para detalhar as valiosas informações que o autor traz em cada uma dessas disciplinas, de modo que me concentro na espinha dorsal de sua argumentação. Para fazer previsões razoáveis acerca de fenômenos complexos/caóticos, é preciso tanto dispor de dados de qualidade que servirão de "input" como ter uma boa compreensão da ciência envolvida.

É raro reunir essas duas condições, mas às vezes acontece. O caso emblemático de sucesso é a meteorologia. A física envolvida é bem conhecida. O problema é que os sistemas são tão dinâmicos que uma mudança diminuta numa variável qualquer altera tudo. É da meteorologia quem vem a expressão "o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode originar um tornado no Texas" e ela é potencialmente verdadeira.

Não obstante, nas últimas décadas, a previsão meteorológica fez importantes avanços. Já dá para antecipar com precisão e antecedência de pelo menos 48 horas a rota de furacões e mesmo o boletim do tempo que passa na TV tem melhorado bastante. Se um meteorologista sério diz que as chances de chover são de 70%, isso significa que, se reunirmos todas as suas previsões que trazem essa cifra e as compararmos com o que de fato aconteceu, constataremos que em 70% delas houve precipitação e em 30%, não. A meteorologia tem sobre outras ciências a grande vantagem de contar com muitos dados que vêm quase sem ruído. Melhor ainda, ela tem a dádiva de receber diariamente o "feedback" da realidade, o que permite recalibrar continuamente os modelos.

A previsão de terremotos, que é outra ciência dura que envolve complexidade, não experimenta a mesma taxa de sucesso (na verdade, é um fracasso quase total) provavelmente porque não conhecemos bem a física envolvida. Nós vemos e até conseguimos reproduzir em laboratório os fenômenos que ocorrem na atmosfera, mas não temos nenhum acesso ao que se passa com as placas tectônicas, escondidas vários quilômetros abaixo de nossos pés.

Quando saímos das ciências mais rígidas para a economia e as ciências sociais, nós mais ou menos pulamos no inferno. Aqui, tanto os processos básicos se tornam infinitamente mais complexos (o homem passa a ser uma variável) como a qualidade dos dados cai drasticamente. PIB, inflação e vários outros indicadores, por virem na forma de números com vírgula, podem dar a impressão de serem objetivos, mas, na verdade, calculá-los não tem nada de trivial e envolve muita incerteza. Não são pequenas as chances de eles corresponderem apenas vagamente ao que ocorre na realidade, o que, evidentemente, complica bastante qualquer previsão que os tome por base.

E a questão do conhecimento/qualidade dos dados é apenas parte do problema. De acordo com Silver, outro importante destruidor de previsões são nossos vieses cognitivos, isto é, nossa propensão evolutiva a cair em determinadas armadilhas.

A mais grave delas é que temos uma tremenda dificuldade para pensar de forma probabilística. Psicólogos como Daniel Kahneman, Dan Ariely e muitos outros já compuseram uma lista telefônica de exemplos dessa nossa incapacidade. Um de meus favoritos é o experimento em que médicos treinados julgaram uma doença que mata 1.286 pessoas de cada 10.000 --12,86%-- como mais grave do que uma com taxa de mortalidade de 20%. Aqui, eles se deixaram enganar pela concretude das 1.286 vítimas contra a abstração da frequência de 20%.

O viés antiprobabilístico faz todo o sentido. Nós não evoluímos para ser cientistas, mas para sobreviver aos perigos do dia a dia. Diante de um tigre de dentes de sabre, não podemos nos dar ao luxo de calcular chances. Sobreviveram apenas nossos ancestrais que traduziam a percepção do perigo numa ação concreta e inequívoca como fugir.

Num mundo em que os tigres de dentes de sabre foram extintos e a ciência apareceu, porém, a incapacidade de pensar probabilisticamente é um problema. Ela faz com que não percebamos as limitações e as sutilezas do método estatístico e interpretemos muito mal seus resultados. Tendemos a ver o 90% de chance de chover como quase certeza de que devemos sair com uma sombrinha e não como uma previsão de que não choverá em 10% dos casos. Daí os injustos impropérios lançados contra a moça do tempo.

Para Silver, a situação tende a piorar na era da internet, na qual temos um acesso até há pouco impensável a cordilheiras de dados, sem, entretanto, dispor dos meios para separar o sinal do ruído. Mais do que nunca, diz ele, precisaremos de boas teorias para ordenar essas montanhas de informações. No que diz respeito a nossos vieses, o autor afirma que a única saída é nos esforçarmos para reconhecê-los. Sabendo em quais circunstâncias tendemos a errar, podemos tentar nos corrigir. É isso o que torna as raposas de Tetlock melhores futurólogas do que os porcos-espinhos.

Não se deve, contudo, nutrir ilusões. Se o advento da imaginação nos liberou para domesticar o futuro e inventar a ciência, precisamos também saber limitá-la, para que não nos tornemos vítimas de nossas fantasias e delírios. O primeiro viés que precisamos admitir é o de que, embora tenhamos horror à incerteza, o mundo está repleto delas. Precisamos antes de tudo tentar compreendê-la e, quando possível, mensurá-la.

Fundo Soberano - a palhaçada sem graça

Guilerme Abdalla (Brasil Econômico):

Quem não se lembra dos anúncios e propagandas pirotécnicos (marketing mesmo) quando da criação do Fundo Soberano do Brasil-FSB, em 2008? Pois bem, passados quase quatro anos da promulgação da Lei nº 11.887/08, que o cunhou, o resultado formalmente apresentado semana passada pelo Ministro de Estado da Fazenda Guido Mantega ao Senado Federal é indigesto, para não dizer risível. Parece mais um manual de como não devem ser gerenciados recursos públicos ou, no raciocínio inverso, um roteiro de como queimar o dinheiro do povo brasileiro. (...) 

Vamos aos tristes números: o FSB teve como aporte inicial a emissão de 10.201.373 títulos do Tesouro Nacional, em dezembro de 2008, totalizando R$ 14,2 bilhões a preço de mercado. Na mesma data do aporte, o FSB promoveu a respectiva integralização de cotas do Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização( FFIE), um fundo multimercado, exclusivo e especialmente criado. Já em 2010, a União houve por bem adquirir, por meio do FFIE, substancial posição no BBAS3, PETR3 e PETR4 (praticamente todo o seu capital foi endereçado a essas empresas à época). O resto foi direcionado a operações prefixadas. 

Resultado? Ao fim do segundo trimestre de 2012, a parcela de ativos com renda variável do FFIE caiu para 76,91%, em razão da redução dos preços de mercado de ações no período, enquanto a parcela então ínfima de ativos de renda fixa aumentou para 22,94%. Quanto ao valor dos ativos do FFIE, quer dizer, nosso dinheiro, tem os um total de R$ 13,8 bilhões em junho de 2012, representando uma rentabilidade negativa de -16,84% no trimestre e -17,91% nos últimos 12 meses. Note-se: aportou-se R$ 14,2 bilhões em 2008 e temos hoje, após quatro anos, R$ 13,8 bilhões. 

Ora, a lei que criou o FSB e seu decreto regulamentador não obrigam — nem de longe e nem de perto — que seus aportes devam ser destinados somente a estatais ou sociedades de economia mista. Muito pelo contrário, poder-se-ia entender que o privilégio dedicado à Petrobras e ao Banco do Brasil deturpa a essência do próprio FSB, que deve necessariamente ter uma visão mais ampla dos interesses estratégicos do país. A mitigação de “ciclos econômicos” objetivada pelo FSB — a bem da verdade, não é um objetivo, mas um dever — não pode se resumir a essas duas empreitadas. Como está, o povo perde nas duas pontas: na captação, pois os recursos são remunerados pela taxa aplicável ao título do Tesouro Nacional; no investimento, pois nitidamente destinados exclusivamente a empresas de interesse político-particular.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Dirceu

Dizia eu, em algum despacho (foi o Josias que inventou essa de despacho. De onde ele tirou essa maluquice?) que acredito em mula-sem-cabeça. É verdade.

Em realidade as mulas, da espécie sem cabeça, são uma forte presença em nossa ricamente ilustrada nação. E não passa um dia sem que eu me convença, cada vez com mais fervor, da inocência do Dirceu.

Espero que tanta inocência sirva de reflexão para o STF.

Postado em 26 de novembro de 2005.




terça-feira, 16 de outubro de 2012

Recordando o blog

No dia 04 de setembro de 2007 anotei, aqui mesmo:

Pilar da República, o STF aceitou processar 40 dos mais ilustres bandidos da nação. O comissário Josef Dirceu trabalhava uma "anistia" para si mesmo, que talvez colasse, num congresso que às vezes não se dá ao respeito. Assistimos ao milagre de um presidenciável se transformar em presidiável. Ainda que não cheguemos às condenações criminais, o comissário não estará na lista de elegíveis nas próximas eleições, o que não é pouca coisa.

Não é que chegamos às condenações?




domingo, 14 de outubro de 2012

Janio e o gardenal insuficiente

Alguém quer, por caridade, triplicar o gardenal do Janio? Não veem que ele sofre, que deixou o planeta e agora habita um universo paralelo, onde a palavra de lula é lei?

Para Janio o golpe de mão preparado pelo PT é invencionice da mídia (nacional e estrangeira), do Supremo, da PGR, enfim, de todo mundo. As provas coletadas são miragem, e os votos dos ministros (indicados pelo PT) são delírios... Curiosamente, nesse universo desvairado, a compra de votos para aprovar a reeleição está comprovada. E quanto ao julgamento? Secreto? Quem teve acesso aos autos? Só jornalista da seita? A lei utilizada também é secreta? E quanto à acusação e ao processo, secretos? Porque, que eu saiba, essas denúncias nunca foram investigadas, muito menos objeto de decreto condenatório, ao contrário do Mensalão.

Alguém quer, por considerações humanitárias, conduzir Janio a um bom sanatório? Ou, quem sabe, adicionar ivomec à (já enorme) dose de gardenal? 

Janio, seu moleque senil, quanto pagam por suas reinações? Vale a pena?

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Domesticando o acaso

Aí está. Texto bom é pra ser reproduzido (Hélio, na Folha):

Desenvolvo hoje a coluna publicada na edição da última terça-feira do jornal impresso, na qual procurei entender melhor o fenômeno Celso Russomanno, comparando-o a um suflê. Sua candidatura, afinal, veio num crescendo até ficar bastante vistosa e com cheiro de aposta segura para passar para o segundo turno. A menos de três semanas do pleito, ele abrira 14 pontos de vantagem sobre o segundo colocado, segundo pesquisa Datafolha. Foi aí que, sem aviso prévio e já tendo contrariado as previsões de um bom número de analistas, a coisa murchou --e tão rapidamente que, quatro dias antes do pleito, ele ainda aparecia nominalmente como líder, mesmo que em situação de empate técnico com seus rivais. Terminou 7 pontos atrás do segundo lugar, fora, portanto, do turno final.

O que não faltaram foram hipóteses para explicar tanto a ascensão como a queda de Russomanno. Para a subida foram convocados religião, mensalão, desgaste dos políticos e partidos tradicionais, conservadorismo do eleitor paulistano etc. Para a queda, os suspeitos foram religião, falta de estrutura partidária, a campanha negativa iniciada pelos adversários. A crer no próprio Russomanno, a propaganda contra sua proposta de tarifa de ônibus proporcional ao trecho percorrido (uma ideia bem ruim, registre-se) teria sido fatal.

Mesmo sem acreditar muito em golpes decisivos, creio que esses e vários outros fatores tiveram seu quinhão de influência. Penso, contudo, que há uma outra característica, muito mais interessante, que torna o fenômeno difícil de interpretar e até mesmo de conceber. É o que os sociólogos chamam de problema micro/macro, ou como passamos das microescolhas dos indivíduos para os macrofenômenos que marcam o mundo social e vice-versa.

Quem lança luzes sobre essa questão de forma bastante didática é o físico e sociólogo Duncan J. Watts em "Tudo É Óbvio: Desde que Você Saiba a Resposta". Quase tudo o que sociólogos tentam explicar, de eleições ao sucesso do último livro de Paulo Coelho, está no nível macro, já que envolve grande número de pessoas. Mercados, governos, religiões, corporações e até modas só funcionam porque muita gente adere às suas lógica e regras, as quais só têm relevância porque são observadas por um bom público. Sim, é uma argumentação meio circular. Evidentemente, se uma propriedade está presente no nível macro, deve também estar, ao menos potencialmente, no nível micro, já que o resultado de uma eleição nada mais é do que a soma dos movimentos de cada eleitor individualmente.

As dificuldades do micro/macro não são exclusivas de cientistas políticos. Elas estão presentes em todos os ramos da ciência. Posso estudar um neurônio até aprender tudo o que há para saber sobre esse tipo de célula, mas isso ainda não será o bastante para que eu compreenda o funcionamento do cérebro e da mente. O conhecimento das partículas subatômicas não nos esclarece muito sobre a química orgânica, ainda que moléculas sejam feitas de átomos que são feitos de quarks, léptons etc.

As implicações dessa multiplicidade de escalas em que as coisas podem ser analisadas são particularmente interessantes para a filosofia e a epistemologia. O pressuposto do materialismo, abraçado pelas ciências e um bom número de doutrinas filosóficas, é o de que as propriedades de um objeto são causadas pela matéria. Outros sistemas, notadamente o de Platão, postulam uma dualidade entre forma e matéria e dão preponderância à primeira. Nesta nossa realidade corrompida, o desenho de um círculo é tão bom quanto sua participação na forma círculo, que tem existência real no mundo das ideias.

Deixemos, porém, a ontologia de lado e voltemos a nossos fenômenos micro/macro nas várias disciplinas. Eles têm em comum o fato de operar sob o signo da emergência, isto é, a propriedade de sistemas complexos que faz com que o todo exiba características diferentes das das partes que o compõem. Meu exemplo favorito é o do Boeing 747. Nenhuma peça do aparelho voa sozinha, mas elas estão colocadas para interagir de forma tal que o aparelho decole. A capacidade de voar surge com uma característica que está além da soma das partes, mas que ainda assim é determinada por elas. É um modo engenhoso de salvar o materialismo e a ciência como a temos feito até aqui. É verdade, porém, que a abordagem reducionista, que advoga pelo estudo exaustivo das partes, pode sair meio arranhada da aventura.

Se há uma diferença importante entre as ciências naturais e as sociais é que, nas primeiras, admite-se a natureza delicada da emergência e ninguém (ou quase ninguém) tenta deduzir o todo da parte. Há uma diferença nítida entre o gene e o genoma, o neurônio e o cérebro, o ecossistema e o bicho nele inserido. Já em matéria social, falamos em famílias, eleitorado, mercado como se fossem uma entidade indistinta das pessoas que as constituem. Perdemos, com isso, nada menos do que a emergência.

Um experimento mental proposto pelo sociólogo Mark Granovetter dá bem a dimensão de como as coisas podem funcionar. Imagine um protesto de estudantes que degringola em saques. Tínhamos 100 alunos em estado de elevada ambivalência: por um lado, estavam irritados com a última sacanagem do governo, que os impelia a quebrar tudo; por outro, sendo bons meninos, eram constantemente tentados a resolver as coisas de forma pacífica. Cada um dos 100 tinha de fazer a opção entre aderir à violência ou permanecer calmo. E cada um deles tem um limiar diferente. Na posição 1 temos o maluco que já vai para o protesto disposto a barbarizar. Na 2, temos o sujeito que saqueará se vir um outro a fazê-lo. Na 3, o que só adere se houver duas pessoas agindo com violência e assim por diante. Na posição 100, temos o sujeito zen que só se descontrolará depois que vir 99 colegas em estado de pura selvageria. Nesta situação em particular, a manifestação virou quebra-quebra por causa do maluco que destruiu a primeira vidraça.

Imagine agora uma realidade alternativa na qual o limiar do estudante na posição 3 era um pouco diferente. Em vez de aderir ao saque se visse duas pessoas agindo, ele precisava observar três violentos para seguir o mesmo comportamento. Bem, nesse universo, o ciclo foi interrompido, e o protesto não se converteu em pancadaria. Os dois indivíduos que se mostraram mais exaltados (o maluco e aquele na posição 2) foram rapidamente controlados pela polícia, que, queremos acreditar, agiu sem violência.
Temos, portanto, um caso em que uma diferença mínima, o limiar de ação do estudante 3 um pouco mais alto, indetectável pelos testes psicológicos hoje existentes, provocou um desfecho inteiramente diverso nos dois cenários. Tal é o poder da emergência.

Coisas bastante parecidas ocorrem com o eleitorado, que pode, no agregado, assumir comportamentos bizarros que não conseguimos atribuir a cada cidadão individualmente. Um exemplo quase assustador é o de um experimento clássico de Alexander Todorov. Ninguém vota considerando só as feições do candidato, mas o pesquisador mostrou que voluntários olhando por um mísero segundo para fotos de postulantes e apontando os mais bem apessoados conseguiram acertar 68% dos resultados de eleições para o Senado dos EUA. É um sinal bem convincente de que, por mais que tentemos negá-lo, a aparência é importante em eleições.

De modo análogo, poucos votam pensando apenas na economia, ainda assim o estado das finanças de um país é o melhor preditor das chances de reeleição de um presidente. O indivíduo pode não responder tão diretamente aos dados do PIB e da inflação, mas reage a como votam seus amigos e vizinhos que, ainda que não estejam preocupados com os números divulgados pelo IBGE, são sensíveis a pequenas mudanças na economia real, as quais, por sua vez, guardam alguma correlação com os macroindicadores. Os padrões são tão entrelaçados e complexos que, às vezes, uma mudança inicial imperceptível faz o suflê desandar.

É justamente essa instabilidade que torna a ciência política interessante. Estamos diante de fenômenos que são determinísticos (o eleitor sempre vota por razões em princípio cognoscíveis), mas, que, por sua complexidade, podem em algumas situações flertar com a imprevisibilidade. Não temos muita dificuldade para destrinchar os elementos básicos. Fatores econômicos e a narrativa que o candidato apresenta de sua própria vida são importantes. O mesmo vale para a estrutura partidária e as alianças. O ponto de partida, seja o recall ou a diferença de votos obtida no primeiro turno, também traz informação relevante. Mas tudo isso é só parte da história. Detalhes aparentemente insignificantes, como a palavra empregada pelo candidato para referir-se ao adversário e a linguagem corporal usada no debate, podem em certas circunstâncias fazer a diferença. É por isso que os staffs dos postulantes mais competitivos, tentando domesticar o acaso, isto é, precaver-se contra o imponderável, vem apostando em campanhas cada vez mais insossas e previsíveis.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Hobsbawm e a negação da história

Demétrio Magnoli, na Folha:

"Eu entendi isso, Edward. Esse esqueleto nunca sorrirá novamente." Leszek Kolakowski, filósofo polonês exilado, concluiu com essas palavras sua réplica ao historiador Edward P. Thompson, que o acusara de trair os ideais socialistas.

O ano era 1974, seis depois da invasão da Tchecoslováquia pelas forças do Pacto de Varsóvia. Thompson rasgara sua carteirinha do Partido Comunista britânico em 1956, na hora da invasão soviética da Hungria, mas interpretava o stalinismo como apenas um deplorável desvio no curso da história rumo ao radioso futuro comunista. Kolakowski, porém, sabia mais - e tinha um norte moral melhor.

Eric Hobsbawm nunca renunciou à sua carteirinha do partido. Aos 23 anos, ele assinou com Raymond Williams um panfleto de apoio ao pacto Molotov-Ribbentrop, entre a URSS de Stálin e a Alemanha de Hitler. Na maturidade, atravessou impávido as fogueiras da Hungria e da Tchecoslováquia.

Em 1994, aos 77 anos, pouco depois da queda do Muro de Berlim, publicou "Era dos Extremos", uma interpretação do século 20 consagrada a desenhar um sorriso no esqueleto já enterrado do stalinismo.

Hobsbawm, notável narrador do século 19, autor da trilogia das "eras" que desvendou para o grande público a trama da história contemporânea, entregou-se então à falsificação deliberada para restaurar o argumento imoral de Thompson.

A "era dos extremos" é uma tese paradoxal, cuja síntese emerge na sua introdução: "A vitória da URSS sobre Hitler foi uma realização do regime lá instalado pela Revolução de Outubro. Sem isso, o mundo hoje (com exceção dos EUA) provavelmente seria um conjunto de variações sobre temas autoritários e fascistas, mais que de variações sobre temas parlamentares liberais."

O totalitarismo stalinista, assegura-nos o historiador, podia ter seus defeitos, mas representava o socialismo e, sem ele, a humanidade teria sido tragada, em definitivo, pelo vórtice do fascismo.

O tribunal final da História, constituído por um único juiz, o próprio Hobsbawm, oferece um veredicto de absolvição dos processos de Moscou, do gulag, da supressão absoluta da liberdade. A matéria pútrida do "socialismo real" salvou-nos, a todos, de um destino pior, que era tecido pelo capitalismo em crise.

A narrativa inteira se organiza persuasivamente ao redor da tese, investindo na aposta segura de que o leitor médio carece das informações indispensáveis para refutá-la.

O regime de Stálin destroçou o comando das forças armadas soviéticas nos expurgos dos anos 30, aumentando a vulnerabilidade do país à invasão alemã. A URSS não triunfaria sobre Hitler sem a vasta ajuda militar americana.

No primeiro e crucial ano do conflito, a aliança firmada pelo pacto Molotov-Ribbentrop converteu a URSS em fornecedora principal de matérias-primas e combustíveis para a máquina de guerra nazista. A história de cartolina de Hobsbawm é uma contrafação da história da Segunda Guerra, inspirada diretamente pelas narrativas oficiais fabricada por Moscou no imediato pós-guerra. O esqueleto precisa antes mentir, para depois sorrir.

A trilogia das "eras", narrativas eruditas escritas em linguagem cristalina, foi a porta de entrada de centenas de milhares de leitores para as delícias da história. "Era dos Extremos" singrou no oceano de autoridade das obras precedentes.

No Brasil, país onde Hobsbawm tem mais leitores do que na Grã-Bretanha, o livro beneficiou-se de uma recepção laudatória, patrocinada por intelectuais inconformados com as marteladas críticas dos berlinenses daquele 9 de novembro de 1989. Fora daqui, porém, nem todos aceitaram sorrir junto com o esqueleto de uma mentira.

Num ensaio de 2003, o historiador Tony Judt escreveu o epitáfio incontornável: "Hobsbawm recusa-se a encarar o mal face a face e chamá-lo pelo seu nome; nunca enfrenta a herança moral e política de Stalin e de seus feitos. Se ele pretende seriamente passar o bastão radical às futuras gerações, essa não é a maneira de proceder".

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Tutty Vasquez

Com todo respeito à fama que conquistamos lá fora por causa do futebol, da bossa nova, do café, do carnaval, da caipirinha, do Paulo Coelho e da Gisele Bündchen, o que o Brasil tem de mais inigualável na atualidade são as urnas eletrônicas. 

Modéstia à parte, poucas coisas no mundo - entre elas, talvez, o iPhone 5 e o time do Barcelona em seus melhores dias - parecem tão bem boladas quanto o nosso sistema de votação. 

O Brasil funciona em dia de eleição como uma Ferrari ou um relógio suíço: tudo acontece sempre de maneira muito rápida e precisa entre a captação e a apuração de quase 140 milhões de votos! 

Com a revelação dos primeiros resultados oficiais menos de duas horas após a divulgação das pesquisas de boca de urna, os analistas políticos de plantão nos canais de jornalismo ficam praticamente sem tempo para quebrar a cara em prognósticos na TV. 

Ninguém nos Estados Unidos, onde o escrutínio é praticamente uma carroça eleitoral, entende como pode o brasileiro levar 30 segundos para votar e duas horas preso no trânsito para chegar ao trabalho. 

Quem dera tudo por aqui funcionasse como as urnas eletrônicas!