sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Equipagem

Conquanto minha sandália tenha se desmanchado em minhas mãos, e vendo as rochas magoarem meus pés, resolvi comprar uma dessas sapatilhas de mergulho.

Nas acolhedoras ilhas Cook encontrei um dispositivo chinês, por uma fração do preço sugerido em Papeete. O fato de ser alguns números acima do meu nao me preocupou, nem surpreendeu, já que os descendentes de canibais destas ilhas são caras bem grandes. E lá estava eu, pelas praias e mangues da gigantesca laguna de Aitutaki, chapinhando com meu próprio barco de casco duplo.

Os nativos, hilariados, logo se punham a entoar uma musiquinha, que o leitor vai reconhecer nesse lindo poema:

Alô criançada, o Bozo chegou, trazendo alegria...

As aventuras com os excelentes produtos chineses continuaram. No segundo mergulho, a presilha da nadadeira foi ao mar e se perdeu. Num breve momento McGyver, usei clipes de papel para devolver a nadadeira à operacionalidade e saí pelas praias completo: snorkel, nadadeiras, câmera e sandálias. Os ilhéus achavam aquilo tudo desnecessário, afetado, e se punham a cantarolar:

Alô criançada, o Bozo chegou...

Aitutaki, a 45 minutos de vôo de Raro, e uma ilha baixa, com uma das mais belas lagunas do mundo. Navegamos um dia inteiro por suas aguas turquesas, azuis ou verdes, a depender do ângulo do sol e da profundidade. Tem águas protegidas por uma coroa de corais, ultracalmas e plenas de vida.

Presenciei ainda um pôr-do-sol memorável, que registrei, e visitei ótimos restaurantes, para ter notícias da culinária local.

Aitutaki foi palco de batalhas entre americanos e japoneses, que disputavam a propriedade da bacia do Pacífico. Os primeiros ganharam, para sorte do povo japonês. Tanques ainda jazem, despedaçados, nas praias externas, e lentamente se integram ao oceano.

Raro, 4.12.10.

Moorea

Festa do staff do hotel Hibiscus. Eu e um casal francês fomos convidados. Intimados a provar os coquetéis preparados pelo chef (pelo menos uma dúzia), me entusiasmei com dois. A festa continuou com vinhos, cervejas e música, de melodias bem simples, estilo God Save the Queen, mas cantada de forma apaixonada.

Meia dúzia de funcionários formaram uma roda, cada qual com um instrumento. O capitão (eu havia estado com ele na festa dos tubarões e raias, já relatada) tocava um baixo feito com cabo de vassoura, um balde grande, de limpeza e linha de pesca.

Provei, pela primeira vez, a fruta-pão, que se assemelha a... pão. O Mahi Mahi é um peixe saboroso.

Como eu estava caindo de sono, migrei mais cedo para o bangalô, enquanto os convivas se derramavam em cantorias e vinhos.

Viva a vida!

Casamento em Cook

Cerimônia simples, em dois idiomas. Eu e o casal australiano por testemunhas de ultramar. Convidados de última hora, exibíamos uniforme de turista e a pele tostada.

Comida típica farta: carne de porco deliciosa, assada.

Terminada a cerimonia, e a comilança, a noiva foi levar o casal australiano ao aeroporto.

Tikehau

Atol preferido de quem conhece o Pacífico, foi a maior coleção de uaus! da viagem.

Aqui, no atol com a maior densidade de peixes do mundo, nas palavras de J. Costeau, fiz meu mergulho, finalmente. Tubarões grey nos saudaram e nos rodearam. Eu estava com o instrutor, então, não quis ser rude com esses caras. Eles subiam e desciam num balé circular, tendo-nos como centro.

Não eram gigantes, mas eram grandes o bastante para nós!

E que beleza de movimentos. Não há nada mais ameaçador e excitante que grandes tubarões dando voltas sobre sua cabeça...

Sensação indescritível. Além de tubarões, a fauna estupenda, incluindo o enorme peixe Napoleão. Ele te encara com o olhar mais perplexo do mundo, dá umas voltinhas e segue seu caminho.

Num dado momento descemos até um tubo cavernoso, e avançamos através de um cortinado iridescente de peixes, que foi ondulando, admitindo a nossa passagem.

Estávamos a quase uma hora submersos naquele sistema de sonhos, e meu combustível chegou ao fim.

Depois, sobrepairando de snorkel, vi outros tubarões, menores, rodear os três mergulhadores, que foram embora. Eu fiquei e, como os tubarões também me viram, tratei de ir puxar assunto com o capitão, que a essa hora dormia, com o braço fora do barco, na água.

No caminho, topamos com uma raia manta migrando pelo laguna, e a cumprimentamos, do barco.

Sharks

Alguns leitores me mandaram mensagens apontando problemas com os relatos envolvendo tubarões.

Não me entendam mal: eles acreditam na narrativa (correta e verdadeira), e até gabam a coragem de enfrentar tão formidável fera (eu entendi que eles referiram a coragem dos tubarões, mas enfim). Aproveitaram para acrescentar novos episódios, que eu havia esquecido (ou omitira, por modéstia ou pudor) e elogiaram os gentis socos ministrados nos focinhos insolentes.

Ao parecer o problema é o estilo.

Já outros relataram imprudência na exposição dos fatos; que o texto de modo algum padece de um excesso de verossimilhança, e me admoestaram a não mais fatigar o leitor com feras insatisfatórias.

Seja como for, hoje, em Tikehau, encontrei novos tubarões, e eles não estavam mais amistosos, nem mais prevenidos que os últimos.

Eu tirara uma soneca na varanda, após o vôo. Os peixes faziam uma reunião bem debaixo de minha sala de estar. Coisa importante, porque durou a tarde inteira. Eu desci para investigar.

Tinha uns carinhas dando voltas, aparecendo aqui e ali, e todos se gostando daquelas improbidades. Não gostei de estar no centro dessas voltinhas, nem de os demais peixes terem sumido. E o número de tubarões só aumentava.

"Ara, sô! Acaso terei de ensinar a arte de bem receber a esses patetas?".

Como a bateria da câmera se acabara (e só por causa disso), subi, para um banho morno e a entrada do sol no mar.

À noite, nova convocação de peixes, com os meus pães.

Bora e sharks

Pura diversão.

Duas horas ao mar, após um soberbo prato de preciosos camarões com espaguete. Eu vinha cuidando que as montanhas de Bora não me escapassem, quando percebi uma festa particular do sol no terraço do barco. Figurei um amarelo exorbitante, um excesso de ouro, e os tons laranja instalados no azul demasiado.

Quando chegamos ao porto a alucinação se consumava, e registrei esse drama.

Bora é o que há. Laguna e motanhas em mil tons, e que tons...

Sharks.
Novo encontro. Um canadense confirmou o que eu venho dizendo: parece que temos, funcionando nos Mares do Sul, uma coalizão de tubarões. Contra mim.

De fato a testemunha acima presenciou quando um tubarão desacatou esta minha nobre pessoa, vindo com tudo pra cima. Como eu estava num aprazivel excursão, fotografando a vida marinha, limitei-me a outorgar-lhe um gentil soco no focinho. Não fosse aquela uma excursão familiar e o sushi do almoço seria antecipado.

O passeio continuou, em meio ao infinito turquesa-verde-azul. No Tahiti, quando o sujeito fecha os olhos, à noite, vê-se num confuso balé de raias carinhosas, e teme ir ao banheiro, porque o chão usualmente está atapetado de raias risonhas.

Como todo turista dessas bandas sabe, o procedimento delas é chegar pelos flancos, ir subindo com carinhos, dos ombros até o rosto...

E é isso.

Maupiti

This is it, this is the one.

É o que se diz, quando se chega a Bora. Foi o que eu disse, quando desembarquei em Moorea (Bora é o proximo destino).

Hoje, em Maupiti, um encontro. Fui deixado em um motu deserto. Da praia alguns cachorros me saudaram, sem entusiasmo. Comecei a mergulhar, e logo senti a forte corrente puxando para o oceano, para a passagem que serve de "rodoviária" entre a laguna e o mar aberto.

De repente, um tubarão limão. Não era grande, mas era um tubarão. Não gostei do jeito pouco respeitoso como ele me encarou. Estou acostumado a ser respeitado e temido onde chego e, bem, isso não estava acontecendo. "Esse cara não me conhece. Nem de tubarão estou gostando, ultimamente", pensei.

Uma voltinha, nova encarada.

Sabem, eu já tinha encontrado alguns desses caras em Moorea, e estava acostumado a ser acatado.

"É um adolescente. Terei de ensinar bons modos a esse rapaz". E, com efeito, parti para cima do bicho, numa investida arriscada, que ele antecipara.  Munido de um galho adrede recolhido nos recifes rasos, golpeei a pobre criatura no focinho, pondo fim à atitude insubmissa. Esse cara achou que podia me desacatar, mas eu mostrei que ele estava errado!

P.S.
Aos leitores que se sentiram pouco à vontade com o relato acima, tendo enxergado certas dificuldades no correto manejo de animais marinhos, ofereço a narrativa abaixo, sem prometer que seja mais verdadeira (cabe uma escolha):

Eu estava saindo de um recife, indo para uma faixa de areia rasa, quando vi uma raia (stingray). Era grande, e éramos só eu e ela em toda a extensão do motu. Uma coisa é alimentá-las no lagunário de Moorea. Outra é encontrar uma sozinho, sem peixe para oferecer.

Olhei as rotas de fuga, conferi os clipes das minhas nadadeiras e saí em disparada rumo á praia, sob o olhar desaprovador dos cachorros. Nisso, a raia tinha dado meia volta e continuava sua patrulha pelas águas rasas.

Moorea

Tipo assim, totalmente sem noção! Fala sério, gente. Se isso aqui não é o paraíso, é pelo menos sua mais convincente imitação.

Montanhas, com florestas até o topo, descem ao mar, que principia por praias de areia alvissima e segue por águas turquesa.

Mergulhei com raias e tubarões, ontem. As raias são brincalhonas, fazem carinho. Uma delas provou minha câmera, mas o sabor não lhe agradou (talvez não seja sua marca predileta).

Os tubarões são ariscos, ficam por perto, dão umas encaradas e vão embora (certifique-se de que eles realmente estejam indo embora, leitor.)

Conquanto Moorea tenha o melhor spa do mundo, os restaurantes daqui vão fazer você sair da linha, com certeza. E Hauru Point, onde concentrei meus negócios, é o centro da gastronomia de Moorea...

Peguei uma Scooter (ainda com a licenca de Cook Island) e fui dar umas voltas por aí. No caminho achei um mercado que vende queijos e vinhos franceses fascinantes. Com uma baguete crocante, os queijos foram sorvidos suntuosamente.

Praias paradisíacas, com queijos e vinhos franceses: esses polinésios não são nada bobos...


Moorea, dezembro de 2010.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Maupiti

Deixo agora esta ilha tranquila, onde fiquei só dois dias. Daqui a pouco um navio (Maupiti express, apelidado vomiti express) sai com destino a Bora, para duas horas de travessia.

Fui tratado como um rei nessa ilha: comida maravilhosa e pessoas legais (pousada Le Kuriri).

Bora não tem todos esses luxos, suponho, mas tem a laguna...

Vai ser bom....


PS: o barco estava povoado de melancias, que não pude provar, infelizmente.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Domingo Raro

O domingo em Raro funciona assim: você pega snorkel, nadadeira e lambreta e sai, de praia em praia, desacatando os peixes dos recifes, até dar a volta completa. Os restaurantes estão fechados, e todos estão nas igrejas, com suas melhores roupas. Então, melhor se arranjar com um peixe frito, no porto.

Restaurantes.
O melhor atum que ja comi na vida foi no Flame Tree, restaurantinho delicioso e barato, em Muri Beach. O Tamarind House também tem uma comida estrelada, sem deselegância nem fraude nos preços.

Igrejas.
A ilha está coalhada de igrejas, com muitas lápides em seus jardins. Só de mórmons e adventistas, perdi a conta. Eles têm a mente abarrotada de móveis sobrenaturais, uma extravagância, dada a natureza que lhes fala nestas ilhas de muitos paraísos...

Chegada à ilha.
Eu vinha de 4 dias em Aitutaki, então, não esperava muito. Na chegada ao hotel (cabana com todas as facilidades, bem na frente do motu Taakoka) fui brindado com diversos mamões de Cook, amarelinhos por dentro e por fora. Depois de dois veementes protestos de meu estômago, em Páscoa e Aitutaki (por causa, vejam só, de camarões) os mamões assentaram deliciosos. O dono do hotel franqueou um cesto repleto deles, e desde então parei com problemas estomacais...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Raro

Ontem esparramei-me por Raro, de moto, em estado de diversão.

Usando a licença obtida em Aitutaki, ao custo de 2,5 dólares neozelandeses, e após rigorosa perícia policial, sai dando voltas nessa ilha vulcânica de 32 km de perímetro, com um pico de 653 m (Te Manga). Primeiro no sentido horário, depois, para curar a tontura, no anti-horário, quando o sol explicitava as montanhas com suas estranhas grinaldas de nuvens.

Às 5 da matina ele estava de volta em minha sacada, hoje, e foi obrigatório fotografá-lo. Depois, a padaria, para uma baguete crocante, bem francesa, junto com o miraculoso mamão papaia local. Após comprar o pão, interessei-me por saber a que horas a padaria abre, sendo tão cedo. 

"Às nove". 

Eram 5:30 da madrugada... Então tá...    

Cook, o mergulho

De minha sacada vejo o mar ganhando terreno. É fim de tarde em Cook. Pela manhã subi ao rochedo Needle, um dos mais altos de Raro, travessia de uma hora pela floresta tropical.

À tarde fiz um mergulho-teste fora da laguna. Não passei de alguns metros. Sem conseguir equalizar os ouvidos, o mergulho se torna uma tortura na imensidão azul. Para além da dor existe a possível perda de consciência, o que não seria muito favorável embaixo d´água...

Emerge, aqui, a máxima de Borges: se não te dá prazer, não faça...

E pensar que havia toda uma equipe na assistência, com dois mergulhadores atentos...
   

Raiatea

Depois de Huahine, com uma fauna marinha exuberante, Raiatea, gente. Hoje pouco fiz: snorkelling na praia em frente, algumas fotos e nada mais. Amanhã cedo, Maupiti, para dois dias de diversão!

Abração a todos...

sábado, 4 de dezembro de 2010

Aitutaki

Aitutaki é uma das mais belas ilhas do Pacifico, com uma imensa laguna.

Volto agora de lá, para ficar um pouco aqui em Rarotonga. Pena que a internet seja deploravel em todos esses lugares, além de custar os olhos da cara...

Abraços a todos.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Cook

Ilhas Cook, gente!

Calorzão e muita beleza. Daqui a pouco Aitutaki, a 230 km, uma das mais belas do Pacífico.

Até mais!

sábado, 27 de novembro de 2010

Rapa Nui

Hello everybody!

Estou em Páscoa, após vinte horas de vôo e espera em aeroportos!

Ontem fiz um passeio irado por toda a ilha, em quadriciclo. Passei pelos vulcões, praia, montanhas e... moais.

Um montão deles! Em pé, deitados, quebrados, inteiros: a civilização que os edificou parece ter se esgotado no criar essas enormidades.

Fiquei particularmente impressionado ao ver um moai enormíssimo nascendo nas entranhas da montanha, o trabalho detido apenas pela guerra civil que se seguiu ao colapso ecológico desta ilha.

Eles cavavam um nicho e então começavam a entalhar. Depois, rolavam a estátua montanha abaixo, usando troncos de arvores, ao que parece. Foi esse uso descontrolado de árvores que (supõe-se) levou a degradação ambiental e à guerra civil, por volta da época dos descobrimentos. Hoje, um pedaço de alguns centímetros de madeira nativa entalhada é vendida aos turistas a partir de duzentos dólares...

Todos os moais foram postos abaixo, com a face voltada para o chão, o que  sugere o ódio suscitado por esses antigos deuses, que trouxeram a miséria a seus hospedeiros. 

Todos os moais de pé são obra de restauros recentes. 

Hoje, cavalgada. 

Tempo chuvoso, fui com a roupa apropriada: calção sintético e capa de chuva. Pois o primeiro foi ficando  cada vez mais curto, até que, finalmente, se equiparou a um fio dental. 

Some-se a essa indecência a falta de protetor solar e temos um quadro nada bonito de se ver.

Ao fim eu estava com os joelhos doendo, as pernas doendo e as costas doendo. Quatro horas de cavalgada montanha acima e abaixo: só sendo doido... 

E eu ainda não mencionei a parte mais dolorida.

Uma ilha fascinante, em resumo...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Folha

Editorial da Folha de S. Paulo de hoje:
Mas uma democracia se vê ainda mais atingida quando o Estado se torna aparelho nas mãos de uma camarilha arrogante e impenitente, que o põe a serviço de seus interesses eleitorais, de seu desrespeito com os direitos dos cidadãos, de sua permanente vocação para a chantagem moral e para a intimidação política.

Dora Kramer

Dora Kramer faz, no Estadão, a enésima advertência contra a monstruosidade que se avizinha, e que pode terminar pior que o defenestramento do criminoso Collor:
Só porque é popular uma pessoa pode escarnecer de todos, ignorar a lei, zombar da Justiça, enaltecer notórios malfeitores, afagar violentos ditadores, tomar para si a realização alheia, mentir e nunca dar um passo que não seja em proveito próprio?
Depende. Um artista não poderia, sequer ousaria fazer isso, pois a condenação da sociedade seria o começo do seu fim. Um político tampouco ousaria abrir tanto a guarda.
A menos que tivesse respaldo. Que só revelasse sua verdadeira face lentamente e ao mesmo tempo cooptasse os que poderiam repreendê-lo, tornando-os dependentes de seus projetos dos quais aos poucos se alijariam os críticos, por intimidação ou desistência.
A base de tudo seria a condescendência dos setores pensantes e falantes, consolidada por longo tempo.
Para compor a cena, oponentes tíbios, erráticos, excessivamente confiantes, covardes diante do adversário atrevido, eivados por ambições pessoais e sem direito a contar com aquele consenso benevolente que é de uso exclusivo dos representantes dos fracos, oprimidos e ignorantes.
O ambiente em que o presidente Luiz Inácio da Silva criou o personagem sem freios que faz o que bem entende e a quem tudo é permitido - abusar do poder, usar indevidamente a máquina pública, insultar, desmoralizar _ sem que ninguém se disponha ou consiga lhe pôr um paradeiro - não foi criado da noite para o dia.
Não é fruto de ato discricionário, não nasceu por geração espontânea nem se desenvolveu apenas por obra da fragilidade da oposição. É produto de uma criação coletiva.
Da tolerância de informados e bem formados que puseram atributos e instrumentos à disposição do deslumbramento, da bajulação e da opção pela indulgência. Gente que tem pudor de tudo, até de exigir que o presidente da República fale direito o idioma do País, mas não parece se importar de lidar com gente que não tem escrúpulo de nada.
Da esperteza dos arautos do atraso e dos trapaceiros da política que viram nessa aliança uma janela de oportunidade. A salvação que os tiraria do aperto no momento em que já estavam caminhando para o ostracismo. Foram todos ressuscitados e por isso são gratos.
Da ambição dos que vendem suas convicções (quando as têm) em troca de verbas do Estado, sejam sindicalistas, artistas, prefeitos ou vereadores.
Da covardia dos que se calam com medo das patrulhas.
Do despeito dos ressentidos.
Do complexo de culpa dos mal resolvidos.
Da torpeza dos oportunistas.
Da pusilanimidade dos neutros.
Da superioridade estudada dos cínicos.
Da falsa isenção dos preguiçosos.
Da preguiça dos irresponsáveis.
Lula não teria ido tão longe com a construção desse personagem que hoje assombra e indigna muitos dos que lhe faziam a corte, não fosse a permissividade geral.
Nada parece capaz de lhe impor limites. Se conseguir eleger a sucessora, vai distorcer a realidade e atuar como se presidente fosse. Se não conseguir, não deixará o próximo governo governar.
Agora, é sempre bom lembrar que só fará isso se o País deixar que faça, como deixou que se tornasse esse ser que extrapola.
Recibo. O presidente Lula resolveu reagir e há três dias rebate a oposição no caso das quebra dos sigilos fiscais para negar a existência de propósitos político-eleitorais.
Ocorre que faz isso usando exclusivamente argumentos político-eleitorais. Em nenhum momento até agora o presidente se mostrou preocupado com o fato de sabe-se lá quantas pessoas terem tido seus sigilos violados e seus dados cadastrais abertos por funcionários da Receita sabe-se lá por quê.
O presidente tampouco pareceu sensibilizado com a informação do ministro da Fazenda de que os vazamentos ocorrem a mancheias.
Esses cidadãos não receberam do presidente Lula uma palavra de alento ou garantia de que seus direitos constitucionais serão preservados.
Lula só responde a Serra, só trata do assunto na dimensão eleitoral e assim confirma que o caso é de polícia, mas também é de política.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Indio Feliz

Ao flanar por Águas Calientes, observei que as pessoas saíam animadas de um certo beco, e um súbito militarismo as movia. No fim da tarde em que medrei por entre os assombros de Machu e Wayna Pichu, ao voltar das piscinas termais instaladas no mais alto da cidade, resolvi investigar esse beco. 


O Indio Feliz é um pequeno bistrô de um casal franco-peruano. Ambiente aconchegante, incluindo lareira, atendimento caloroso e competente. Uma placa participa que todos são bem vindos: nacionais, estrangeiros e extraterrestres. Fui admitido na quota desses últimos. Os pratos foram se sucedendo, num menu generoso. 


A culinária peruana, inovadora, não é isenta de contradições, o que faz a delícia do turista. No Peru um milho cor de uva faz-lhe as vezes, numa beberagem desconcertante. 


pisco sour é um coquetel caliente, que rapidamente chama aos brios o freguês. Pedi um, depois outro, e logo eu estava dominando idiomas ameríndios que os próprios incas ignoram, mas respeitam, por ser linguajar de quem edifica assombros. 


À saída eu estava mais feliz, e marchei direto para o hotel.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Jabor

Jabor sintetiza a atual onda matadouro adentro:
Vejo, assustado, que querem substituir o patrimonialismo "burguês" pelo sindicalista, claro que numa aliança de metas e métodos com o que há de pior na política deste país. Vão partir para um controle soviético e gramsciano vulgar do Estado para ter salvo-condutos para suas roubalheiras num país sem oposição, entregue a inimigos da liberdade de opinião. Escrevo isso enojado pela mentira, vencendo com 80% de Ibope, apagando da história brasileira o melhor governo que já tivemos de 94 a 2002, com o Plano Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com a telefonia moderna de hoje, com o Proer que limpou os bancos e impediu a crise de nos atingir, com privatizações essenciais que mentem ao povo que "venderam nossos bens...", com a diminuição da pobreza em 35% que abriu caminho para o progresso econômico de hoje, apropriado na "mão grande" por Lula e seus bolchevistas. Ladroeira pura, que o povo, anestesiado pelo Bolsa Família e pelas rebolations do Lula na TV, não entendem.
Também estou enojado com os vergonhosos tucanos apanhando na cara por oito anos sem reagir. O governo Lula roubou FHC e o mais sério período do país, e seus amigos nunca o defenderam nem reagiram. São pássaros ridículos em extinção.

domingo, 29 de agosto de 2010

O grande irmão



Acha que Lula quer “esmagar" a oposição. "Ele continua como uma figura extravagante, ferindo a lei”, declarou Jarbas.

“Ele se considera acima de tudo, da Constituição, da Justiça, do Tribunal de Contas, do Congresso. É um semideus. Então, acha que pode tudo".

Assim como em 1986, após o milagre do cruzado, e em 1994, com o Real, a manada segue o líder. A diferença é que o Plano Real propiciou a infraestrutura política e econômica que conduziu o país à atual quadra benéfica, e contra os quais Lula e o petismo encarniçado tanto lutaram.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Cabelo


Sobre viagens, um relato (não sei com que grau de verossimilhança):


40º dia de viagem. O cabelo, pela nuca. Fernando, meu estilista, atende no Paraguai, não na Nova Zelândia. Após jogar-me de um avião, caindo por 2 minutos, e de um passeio a 100 km/h em lancha a jato, num furioso rio povoado por pedras inamistosas, uma cabeleireira cheinha me aguardava.


Ela começou com uma máquina sub-zero, que aplicava com grande convicção. Depois a trocou por outra, para um corte ainda mais impiedoso (senti que ela acreditava naquele corte, para o qual se preparara a vida inteira). Alguns movimentos enérgicos com uma tesoura e, sim, tudo estava consumado.


Sabem, a tolerância do meu cabelo para com erros é exatamente zero.


"Well, tenho dois bonés. Tranquilo, no más", reconfortei-me. Por insegurança, ou costume, comprei mais um.


"Que marmota é essa?" exclamou uma das moças da inspeção sanitária em Honolulu, dias depois, ao me comparar à fotografia do passaporte. "Acaso  vieste zombar do povo havaiano?".


"Deveras divertido esse seu corte, em rodelas", retalhou a outra.

Sem ligar para o elogio, agendei com o Fernando: "Aparentemente fracassou esse seu corte neo-zelandês, será que não, Nhonho?


Tudo isso me lembra o método de um renomado estilista.


Nunca o vi cortar o cabelo de suas clientes - modelos famosas - mas, pelos resultados, fica claro que a operação toda não requer mais que um lança-chamas e um (opcional) extintor de incêndio. Ao estilo "que me carregue o diabo".


Arnaldo Antunes é outro que vive às turras com seu cabeleireiro. O que ele tem contra costeletas?


Bem, chega de experiências estilísticas.

Nova Zelândia

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Copa

Ubaldo, no Estadão: - Termina o primeiro tempo! Não vá embora, porque no intervalo teremos a execução do Concerto Número Um para Vuvuzela e Orquestra, com o famoso solista Tispandongo Uzuvido, a Copa é uma festa!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Taíba

Taíba, praia a 80 km de Fortaleza. Sobre a viagem, outra pessoa que não eu talvez dissesse:

Ele chegou incógnito, exausto, mas, dias depois, já ninguém ignorava que vinha do sul, que se nutre de lagostas e que seu lema, se ele tivesse um, seria “meu reino por um banho de mar”.

Tutty

Tutty Vasques, sendo maldoso no Estadão de hoje: O plantão de Fátima Bernardes ao relento na porta do hotel que hospeda a seleção brasileira em Johannesburgo já está virando ponto de peregrinação internacional. Tudo começou depois que ela quase pegou pneumonia no sereno do Fantástico. Toda noite, desde então, um grupo de torcedores brasileiros leva chocolate quente, chimarrão, cobertas e o que mais possa ajudar a apresentadora a vencer o frio nas madrugadas do Jornal Nacional na África do Sul.
A ação humanitária virou romaria quando vizinhos sul-africanos, sem entender direito a movimentação, espalharam o boato de que as aparições de Fátima ao vivo eram milagrosas. Comenta-se em Soweto que ela teria feito Dunga ver Ramires e Daniel Alves no lugar de Felipe Melo e Elano. Resultado: espera-se, já para a edição desta quarta-feira, a presença no local de uma pequena multidão de afro-desvalidos em busca da graça de Fátima no telejornal da Globo.
Quem sabe, se der confusão, William Bonner tira a patroa dessa roubada, né? Por que deixar a pobre coitada toda madrugada - o JN entra no ar à 1h10 horário local -, costeando o alambrado da concentração? A não ser que algum jogador pule a cerca na imagem de fundo, que informação o cenário deserto e gelado acrescenta à fala de Fátima? Pura maldade de editor - ô, raça!

domingo, 14 de março de 2010

Armínio Fraga

Armínio, um dos melhores economistas que o Brasil já teve, fala ao Estadão de hoje:

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC) e uma das figuras mais destacadas do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, está preocupado com a "mexicanização" do Brasil - controle pelo Estado de diversos setores da economia, reforçado por laços com empresas monopolistas e oligopolistas.

A seguir, a entrevista com Fraga, que hoje dirige a Gávea Investimentos, empresa de gestão de recursos.

Quanto o sr. acha que o Brasil pode crescer daqui em diante?

Sem aumentar a taxa de investimento e melhorar a educação, acho difícil passar de 5%, e nem sei se 5% é sustentável. Mas acho que há espaço para a taxa de investimento crescer e a educação melhorar. Nesse caso, a economia aguentaria crescer a uma taxa maior, por mais tempo, algo em torno de 6% a 7%.

Como o sr. vê a atual discussão sobre o papel do Estado?

Não acho que se deva dispensar o Estado. Acredito num Estado presente, ativo, cumprindo seu papel. Mas há uma certa expectativa de que o Estado resolva tudo. Meu receio, no campo político, são alguns traços de doenças do Estado, de ocupação do aparelho de Estado, que me incomodam. Não é questão de Estado mínimo ou máximo, mas de Estado ocupado. É o medo de uma mexicanização.

O sr. poderia explicar melhor?

No México, os governos do PRI (Partido Revolucionário Institucional) tiveram, durante décadas, o controle do aparelho de Estado, nomeando juízes, controlando vários setores da economia. É algo que deixou consequências até hoje. E, nessa situação, quando o governo não controla diretamente, ele cria ou facilita o surgimento de monopólios, que ficam próximos do governo. É um modelo que também inclui um certo pacto com os sindicatos que, no caso do México, no campo da educação, tem sido um desastre. Um modelo meio nacionalista, no mau sentido. Claro que tem um modelo muito mais radical, muito pior, que é o da Venezuela, que está em péssima situação.

Como assim?

Acho que o País voltou a sonhar com um modelo da década de 50 ou de 70. E as pessoas se esquecem que esse modelo, mesmo sendo importante na fase de industrialização e de construção de infraestrutura, também gerou um megaendividamento público, esqueletos e abriu espaço para a corrupção. Isso tem um preço. Não foi um modelo que nos colocou numa trajetória de convergência para os melhores padrões de vida do mundo. Nos fez crescer durante um certo período, mas depois se esgotou. Outra questão preocupante é que há no ar uma sensação de que o indivíduo não é importante - falta preocupação com educação, com empreendedorismo.

Qual a sua opinião sobre a proposta de reativação da Telebrás?

É incompreensível para mim, num setor extraordinariamente bem-sucedido. Não vejo razão para criar nada. Se o governo quiser subvencionar pesquisa ou expansão em regiões que não justificam economicamente a curto prazo, ele pode fazer, colocar no Orçamento, que tem recursos finitos, e aí essa política vai disputar com outros usos do dinheiro, como água, saneamento ou infraestrutura que é um problemão no Brasil. E aí se vê o que tem mais retorno social. A questão é sempre colocada na base de se dizer que "esse investimento é bom", mas outros investimentos também são, e gritam para ser executados. O governo tem de decidir, não dá para fazer tudo.

Qual a sua visão sobre a política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Como viu o episódio recente do apoio a Cuba na ocasião da morte de um dissidente em greve de fome?

Isso assustou todo mundo. Que coisa, que mania! O que há de tão bom numa ditadura? Não consigo entender. Tem gente morrendo lá, qual é a graça? Não entendo o excesso de apreço ao Hugo Chávez (presidente da Venezuela) e ao Mahmoud Ahmadinejad (presidente do Irã). Acho de mau gosto e politicamente estranho uma aproximação tão grande, tão alegre, com esses ditadores e quase ditadores, que não trazem nada de bom e podem até prejudicar o Brasil no mundo comercial. Daqui a pouco vão inventar nos Estados Unidos e na Europa mais restrições a nós em função dessa política. Isso é diferente de um diálogo sóbrio com todo mundo, de uma política externa independente, voltada ao interesse nacional. Também acompanhei essa tentativa de introduzir um certo controle à imprensa, à educação superior - são cacoetes que vejo com certa preocupação. Dá impressão que existe uma usina de ideias desse tipo, o que me incomoda.